Quem morou no mato conhece o portão de longa data. É daqueles cuja
madeira, por nova e bela, não recebeu tinta. A chuva e o sol alternaram-se a
mudar-lhe a cor para o marrom enegrecido que se vê hoje, mas ainda não tiveram
tempo para afetar a precisão das arestas de cada ripa. Saiba-se, portanto, que
é um portão de ripas.
Atrás dele, cresce o morro e, no seu flanco, uma escada arrancada
da terra. No alto, na crista dessa vertente, a casinha simples em cuja janela
se debruça um homem sisudo, que me hostiliza com o olhar. Arranco o carro,
envergonhado da invasão, mas a imagem do objeto que me fizera parar obriga-me a
voltar e estacionar do outro lado da rua.
Amarrada ao caibro, que é pilar do portão, pintada e protegida da
chuva por telhado de zinco, só pode ser uma caixa de correio. Tosca, porém
melhor cuidada do que muitas das que tenho registrado, só um detalhe deixa a
cisma: o seu corpo, de bloco de concreto, não traz a abertura para a carta.
Clico deixando a estranheza para depois e ouço meninos rindo, a caminho
da escola: “é já que ele te joga um balde d’água”. Mas ele não me vê e volto
para o carro onde um vizinho me aborda.
- Ele está lá dentro....
- Eu sei, mas não quero falar com ele. Aquela é sua caixa de
correio? Estou fotografando caixas e...
“Ele é atrapalhado, moço. Faz anos mora aí sozinho. Tem espaço lá
em cima, onde tinha uma outra casa que podia ter alugado, mas desmanchou o
telhado e fez essa cerca. Os filhos são gente boa. Moram na cidade ao lado, mas
- até mesmo eles! - ele bota p’ra fora quando vêm. Mal vi o senhor e pensei ‘
se ele sobe, não demora e desce correndo ’. Veio da Bahia. Dizem que lá era de
Saravá. Parece que por isso a mulher largou dele e ele veio morar aqui. P’ros
meninos eu arrumei colocação e hoje são pais de boas famílias. Mas o pai é
assim, sempre sozinho. Trabalha de cuidar de um sítio. Cozinha na lenha. Grita
muita bobagem. N’outro dia quase acertei ele, que tenho mulher e mãe morando
comigo. Elas não têm que ficar escutando essas coisas, têm? Mas não vale a
pena. É um coitado, que não quer ninguém por perto. Se eu pudesse, mudava
daqui, mas quem vai comprar uma casa com terreno tão grande...”
Sempre sozinho. A mulher que abandona. O Saravá. Expulsa quem entra.
A caixa fechada. Pintada com cuidado. A carta que nunca vem. Que não quer que venha. Que quer que venha. A falta da fresta na caixa. A mulher fechada?